“Vivemos um tempo de secreta angústia: o amor é mais falado que vivido”
Texto de Luciana Chardelli para a revista PAZES
“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”. Zygmunt Bauman
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman
declara que vivemos em um tempo que escorre pelas mãos, um tempo líquido em que
nada é para persistir. Não há nada tão intenso que consiga permanecer e se
tornar verdadeiramente necessário. Tudo é transitório. Não há a observação
pausada daquilo que experimentamos, é preciso fotografar, filmar, comentar,
curtir, mostrar, comprar e comparar.
O desejo habita a ansiedade e se
perde no consumismo imediato. A sociedade está marcada pela ansiedade, reina
uma inabilidade de experimentar profundamente o que nos chega, o que importa é
poder descrever aos demais o que se está fazendo.
Em tempos de Facebook e Twitter não
há desagrados, se não gosto de uma declaração ou um pensamento, deleto,
desconecto, bloqueio. Perde-se a profundidade das relações; perde-se a conversa
que possibilita a harmonia e também o destoar. Nas relações virtuais não
existem discussões que terminem em abraços vivos, as discussões são mudas,
distantes. As relações começam ou terminam sem contato algum. Analisamos o
outro por suas fotos e frases de efeito. Não existe a troca vivida.
Ao mesmo tempo em que experimentamos
um isolamento protetor, vivenciamos uma absoluta exposição. Não há o privado,
tudo é desvendado: o que se come, o que se compra; o que nos atormenta e o que
nos alegra.
O amor é mais falado do que vivido.
Vivemos um tempo de secreta angústia. Filosoficamente a angústia é o sentimento
do nada. O corpo se inquieta e a alma sufoca. Há uma vertigem permeando as
relações, tudo se torna vacilante, tudo pode ser deletado: o amor e os amigos.
Minha réplica:
Primeiramente, gosto muito de Bauman.
Bauman é um bom analista social, enxerga as coisas com clareza, mas não propõe saídas, até porque não quer ser visto como um Messias acadêmico ou cibernético, porque, contradição das contradições, se tornaria um astro dentro do veículo que execra. Ele quer ser o antiastro (porém, conta com o apoio de sua audiência para a aquisição de sua trilogia líquida na saída do auditório).
Analisa a sociedade através do Facebook. É válido, mas é pouco. O ser humano vai além da internet, e se a internet "destruiu" ou aleijou as relações humanas, é porque essas foram erguidas sob alicerces de barro. Quem poderá afirmar que o estado natural social seja o estado da coletização em todos os aspectos sociais e individuais? Não seremos todos nós "revolucionários individualistas" abafados sob quilos de maquiagem, uma certa licenciosidade sexual e um crucifixo como volante no carro desgovernado de nossas vidas?
O que Bauman talvez não compreenda é que as relações humanas são mutáveis através do tempo histórico. Aquilo que foi já não é mais e cabe ao grande sociólogo não apenas descrever a cena, mas trazer à discussão um possível quadro das coisas como serão. Um exercício de futurologia, já que descrever um estado das coisas que qualquer um sente pela via empírica é muito fácil, Comrad Bauman.
Que nos tornamos outros isso é óbvio e talvez o grande pensador a ser revelado talvez seja o Colombo do ovo em pé: o cara que vai dizer que aquele velho mundo era uma farsa e agora embarcamos em outra farsa até chegar a próxima farsa, que, basicamente, é a nossa vida em sociedade, uma farsa burlesca que pune quem sabe dançar como um urso bêbado.